Mazza Advocacia

ANULAÇÃO DA ANULAÇÃO DA LICITAÇÃO: UM CURIOSO CASO CONCRETO

É possível anular a anulação do ato administrativo?

Recentemente, uma autarquia paulista fez publicar no diário oficial um ato de “anulação” de procedimento licitatório, alegando para tanto a “necessidade de aperfeiçoar o modelo de negócio” relacionado ao objeto do certame.

Trata-se de evidente equívoco na medida em que a providência cabível para extinguir a licitação seria a revogação, e não sua anulação. Isso porque o aperfeiçoamento do modelo de negócio é uma razão de interesse público, circunstância desafiadora da revogação, e não de sua anulação, já que só se anula algo se nele houver um vício, uma ilegalidade, o que claramente não era o caso.

Sendo o tema objeto de consulta a mim formulada, constatei ser necessária a anulação da anulação, isto é, a extinção do ato anulatório face um vício formal que o macula, após o que deveria ser empreendida uma nova extinção do certame utilizando-se a figura correta: a revogação.

Nesse contexto, o deslinde da questão envolve o curioso tema da extinção da extinção do ato administrativo, ou, se assim preferir o leitor, a extinção de segundo grau, assunto nada explorado por nossos doutrinadores.

Antes de mais nada, cabe lembrar que anulação e revogação constituem as formas mais relevantes de retirada do ato administrativo. E a retirada é a extinção de um ato administrativo (ou de um procedimento ou de um contrato) pela prática de um segundo ato administrativo voltado à eliminação do ato primário. Não por outra razão, a anulação do ato administrativo também é um ato administrativo, chamado de ato anulatório; assim como a revogação de um ato administrativo também é um ato administrativo, batizado de ato revocatório.

Para responderd corretamente as quatro perguntas abaixo propostas é preciso lembrar que o ato anulatório tem natureza vinculada (a Administração DEVE anular seus atos ilegais), ao passo que o ato revocatório é discricionário (a Administração PODE revogar seus atos contrários ao interesse público), a teor do disposto no art. 53 da Lei 9784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal): “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.

Assim, podem ser formuladas quatro perguntas relacionadas à extinção da extinção do ato administrativo:

1) Cabe anulação a revogação?  

2) Cabe revogação da revogação?

3) Cabe revogação da anulação?

E, finalmente, a indagação cuja resposta soluciona o caso da tal “anulação” da citada licitação paulista:

4) Cabe anulação da anulação?

Anulação da revogação: possibilidade

Se o ato revocatório for praticado em desconformidade com as exigências do ordenamento, pode ser anulado. É a anulação da revogação, possível na esfera administrativa e na judicial.

Revogação da revogação: polêmica. Efeito repristinatório

Bastante controvertida é a discussão sobre a possibilidade de revogação do ato revocatório. Sendo discricionário, o ato revocatórioem princípio pode ser revogado. Mas é mister rejeitar efeito repristinatório à revogação da revogação. Assim, o ato revogador da revogação, em princípio, não ressuscita o primeiro ato revogado, podendo apenas representar um novo ato baseado nos mesmos fundamentos do ato inicial.

Todavia, nada impede que o ato revogador do revocatório contenha expressa previsão de eficácia repristinatória, hipótese em que serão renovados os efeitos do ato inicial.

Não havendo expressa previsão, a eficácia da revogação será ex nunc, de modo que a revogação ao ato revocatório só produz efeitos futuros, faltando-lhe o poder de restaurar retroativamente a eficácia do primeiro ato revogado.

Revogação da anulação: impossibilidade

O ato anulatório tem natureza vinculada, sendo insuscetível de revogação. Por tal motivo, é impossível revogar a anulação.

Anulação da anulação: possibilidade

Tendo algum defeito, o ato anulatório pode ser anulado perante a Administração ou o Judiciário.

Conclusão

Em apertada síntese, conclui-se que, uma vez sobrevindo uma modernização do modelo de negócio, a licitação realizada pela autarquia paulista deveria ter sido revogada, e não anulada, razão pela qual cabe a anulação do ato anulatório para logo a seguir extinguir novamente o certame por meio de ato revocatório.

ALEXANDRE MAZZA. Pós-Doutor pelas Universidades de Coimbra (Portugal) e Salamanca (Espanha). Advogado e parecerista em São Paulo. Contato: alexandre.mazza@uol.com.br

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